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A Linguagem do Artur

ID: 645210
A Linguagem do Artur
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Vaquinha criada em: 17/07/2019
Vaquinha encerra em: 17/07/2020

 

Artur Biolchi fala com os olhos. Não é um simples olhar, é uma maneira única de se comunicar e mostrar o que quer. Cheio de personalidade, o adolescente de 14 anos convive desde os três meses com a Síndrome Werdnig Hoffmann. A doença degenerativa comprometeu os músculos do menino, que usa o abrir e fechar dos olhos como linguagem. Observar Artur é inspirador. Mesmo preso a um corpo que não obedece aos seus comandos e vontades, o guerreiro não se abate e supera a si mesmo, com amor à vida.

Não deve ser por acaso que se chama Artur, como o lendário rei da Távola Redonda, que tem a história contada em romances e filmes, como um homem justo, honrado e valente.  A própria formação da Távola onde o rei se reunia com os cavaleiros, em uma mesa sem cabeceira, representava a igualdade. Com o piscar de olhos mais suaves para dizer sim e franzindo a testa, em contrariedade, Artur não apenas se iguala, mas até mesmo se sobressai, porque seu olhar toca corações. Arrancar a espada de Excalibur na lenda pode ser vista como uma metáfora para a jornada do ser humano. Apesar das limitações, Artur é pleno, e em seus olhos há vivacidade e a alegria de quem tem garra e vontade de viver.

O quarto de Artur é adaptado, com uma cama hospitalar, mas a decoração feita pela família com amor e carinho, disfarça até mesmo o tubo de oxigênio, que está camuflado com papel de parede. Repleto de brinquedos e ursos de pelúcia, é um recanto para o menino que precisa de ventilação mecânica, é alimentado por sonda e tem acompanhamento de enfermeiras 24 horas. Ele mora no bairro Bela Vista, em Caxias do Sul, com a mãe, Márcia, 42, o pai Valmir, 48, o irmão Eduardo Augusto, 19 e três gatos, que são seu companheiros. Uma delas acompanha de perto uma das atividades preferidas de Artur: tecer mandalas.

“Minhas mãos são guiadas pelo Artur”

Com o movimento dos olhos ele escolhe as cores das linhas e o tamanho das mandalas. A ideia surgiu em uma das visitas da enfermeira Rosa Cappellaro Andreazza, 59 anos. Ela acompanha Artur desde 2005, e já fez parte da equipe que o atendia. Rosa aprendeu a técnica artística com uma amiga e hoje ensina crianças que frequentam a Associação Criança Feliz a tecer mandalas.

– Um dia pensei em presentear o Artur com uma mandala, mas ele tem uma personalidade muito forte e tive medo que ele não gostasse de nenhuma. Escolhi várias e ele demonstrou que não gostou, então perguntei se ele queria fazer uma e ele se empolgou e respondeu que sim, piscando os olhos.

Juntos já produziram inúmeras mandalas, de tamanhos e cores diferentes.

– As mandalas são reconhecidas como elemento terapêutico, por proporcionar harmonia, criatividade e redução do estresse, por meio da cromoterapia, que é o uso das cores – ressalta Rosa. 

Emocionada, a enfermeira diz que no caso de Artur criar mandalas é um processo ainda mais repleto de significados:

– Acredita-se que tecer uma mandala possibilita um encontro com o espaço sagrado. O centro de uma Mandala, chama-se Ojos de Dios (Olho de Deus), e o Artur com seu olhar cria mandalas.  

O olhar do menino guia as mãos da enfermeira Rosa, que se tornam um instrumento de amor, a medida que ele pisca os olhinhos em movimentos leves para escolher a cor ou mais rápidos para demonstrar que não quer aquela linha. Durante a entrevista, ela brincava com o menino escolhendo o novelo errado:

– Esse Artur? – Perguntava ao pegar de propósito a linha verde.

A cada novelo errado ele demonstrava contrariedade até que a enfermeira, que contou com a ajuda da mãe durante a brincadeira, pegava a cor que ele gosta.

“Ele é um anjo na minha vida”, diz a mãe

Márcia teve o caçula aos 28 anos. Ela já era mãe de Eduardo, que tinha cinco quando Artur nasceu. A gravidez foi tranquila, e o parto também ocorreu sem nenhum problema. Quando o menino tinha 20 dias, a mãe percebeu que ele se movimentava muito pouco e procurou a pediatra. Depois de três meses de avaliações, consultas e exames ele foi diagnosticado com a doença.  A vida da família mudou e o desafio é diário, mas também é uma vitória a cada avanço do menino.

– O começo foi difícil, a médica disse que não sabia até que idade ele viveria, mas que não passaria dos dois anos. Foi desesperador. Na hora não sabíamos que rumo tomar e saímos do consultório sem chão – desabafa.

Com cinco meses,  foi internado com pneumonia. Ele passou três meses na UTI, e então o plano de saúde informou à família que ele poderia contar com assistência em casa, inclusive, com enfermeiras. Em 14 anos, foram cinco internações. Com o tempo, a família aprendeu como se comunicar e interagir com o Artur.

– Ele tem 14 anos, e cada dia, por mais difícil que tenha sido, só tenho a agradecer. Tivemos muitas pedras no caminho, mas ele está bem, é feliz e ativo dentro das limitações. Ele tem expressão, personalidade e demonstra o que quer. Essa vontade dele de viver é sensacional – diz a mãe. 

Ela atribui os avanços do filho a vontade de viver e aos cuidados da família, dos dindos, que participam ativamente da vida dele, e a equipe que cuida do menino:

– Hoje ele está estabilizado e consegue mexer a cabeça sutilmente, algo que ele não fazia. Ele pisca para dizer que sim, e franze a testa para dizer que não, o muito ele ergue o olho, e também faz caretas para mostrar que está sendo safado, aprontando. Ele é um anjo na minha vida.

Márcia passa muito tempo com o filho, e quando precisa sair, ele a questiona com o olhar.

– Ele interage comigo o tempo todo. Conversamos com ele sempre e ele faz o mesmo conosco. O relacionamento dele com o irmão também é como qualquer outro, eles se dão bem, e também se pegam às vezes – afirma.

Para Márcia, Artur sente autonomia ao tecer mandalas:

– Ele escolhe as cores preferidas e faz do jeito dele. Isso faz com que sinta melhor, bem e feliz. Com os olhos, diz: é assim que eu quero. 

O SONHO 

Artur adora ficar no pátio de casa para observar o movimento. A buzina dos carros rouba o esboço de um sorriso de Artur e os olhos do menino brilham. 

A mãe faz doces em casa para ajudar nos custos e manter os cuidados com o menino, que não são cobertos pelo plano, e que ele precisa diariamente. Para sair mais de casa com o filho, a família precisa de ajuda para adquiri um carro adaptado e transportar o menino, que gosta de passear. 

História de Artur inspirou crônica que será publicada em livro

O jornalista de São Borja Davi Nunes Roballo, 45, vive alternadamente entre Dourados (MS) e Porto Alegre. Ele conheceu a história de Artur por intermédio da enfermeira Rosa, e dedicou a crônica "Quando os olhos falam ao coração" ao menino. O texto foi publicado em sua página em uma rede social, em jornais do Mato Grosso do Sul e também estará em seu próximo livro. Ele conta que sua esposa tem câncer e Artur lhe inspirou a seguir em frente: lição de vida:

— Ele me abriu os olhos para lutar, me fortalecer e enfrentar a doença e as consequências do tratamento com a cabeça erguida. Quando vi as fotos do Artur tecendo mandalas, me questionei sobre o que eu estava fazendo com o movimento do meu corpo e da própria vida. Só com os movimentos dos olhos, o Artur está está ali, interagindo com a vida, com as pessoas, e isso é muito tocante, porquê nos damos conta de que o que acreditamos que é difícil, que não vamos conseguir transpor, não é praticamente nada, perto de tudo o que ele enfrenta, e o Artur é grato pela vida. Ele gosta de viver. É o que sinto ao ver seu rosto tranquilo e sereno.

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